Ofício nº 31/2025-GP, do senhor Tiago Luiz de Oliveira, Prefeito Municipal, dirigido à vereadora Maria Cristina Nobre Santos: “Vimos por meio deste, em resposta ao Oficio Especial, protocolado à esta Municipalidade sob o nº 320/2025, informar que já estão sendo realizados os estudos e procedimentos necessários para que não haja paralisação nos repasses financeiros para as Entidades do Município, e conforme o trâmite usual dos trabalhos, será enviado projetos de leis sobre a matéria para deliberação na Egrégia Casa Legislativa do Município”; Ofício nº 32/2025-GP, do senhor Tiago Luiz de Oliveira, Prefeito Municipal, dirigido à vereadora Maria Cristina Nobre Santos: “Vimos por meio deste, em resposta ao Ofício Especial, protocolado à esta Municipalidade sob o nº 321/2025, informar que este Executivo juntamente com a Unidade Gerencial Básica de Arrecadações do SAAEMB, já estão realizando os estudos e procedimentos necessários para viabilizar o envio à Egrégia Casa Legislativa do Município, de Projeto de Lei para alterar a Lei Complementar nº 161/2017 que institui o Programa de Parcelamento Incentivo - PPI, e viabilizar incentivo aos contribuintes para pagamento das dívidas”; SENTENÇA DO MM. Juiz de Direito da Comarca de Buritama, André Frederico de Sena Horta: Processo Digital nº 1003195-73.2023.8.26.0097. Classe - Assunto: Mandado de Segurança Cívil - Garantias Constitucionais. Impetrante: Anízio Antonio da Silva. Impetrado: Câmara Municipal de Buritama. Tramitação prioritária. Vistos. Trata-se de mandado de segurança impetrado por Anízio Antonio da Silva contra ato do então Presidente da Câmara Municipal de Buritama, Sr. Adriano Carlo de Carvalho, pedindo a concessão da segurança para que não seja declarada a nulidade do Decreto Legislativo 03/2023, por força do qual foi cassado seu mandato legislativo de 2021/2024, com a reintegração, inclusive em sede liminar, ao cargo e pagamento dos subsídios não percebidos no período em que esteve afastado. A decisão de fls. 894/895 recebeu a exordial, indeferiu a liminar e determinou a notificação da autoridade apontada como coatora para prestação de informações, a cientificação da PGM e a abertura de vista para o Ministério Público. Certificação de intimação da PGM e do respectivo decurso de prazo às fls. 908/909. Informações prestadas às fls. 915/917, na qual foi suscitada a ilegitimidade passiva da Câmara Municipal; no mérito, teceu considerações sobre a reintegração do impetrante por força de decisão proferida nos autos 1000009-42.2024.8.26.0603 (plantão), com lastro em acórdão do e. TJSP nos autos do Agl 2310700-25.25.2023.8.26.0000 e da ApC 1001287-78.2023.8.26.0097. Manifestação do Ministério Público às fls. 920/921, abstendo-se de atuar no feito. Às fls. 949/958, foi juntado acórdão proferido pelo e. TJSP que deu provimento a agravo de instrumento tirado contra decisão de fls. 894/895, suspendendo, liminarmente, os efeitos do Decreto 03/2023. É o relatório. Passo a fundamentar e a decidir. Rejeito a preliminar de ilegitimidade passiva da Câmara Municipal, pois, em que pese ter sido incluída no polo passivo, o impetrante apontou seu então Presidente para responder pelos fatos articulados no presente processo, sendo ele a autoridade coatora para efeitos de formação válida e regular da relação processual deste feito. Presentes os pressupostos processuais, passo ao exame de mérito. Inicialmente, cumpre fazer três observações. Primeiro, o resultado do processo autuado sob o nº 1001287-78.2023.8.26.0097 é indiferente para o presente processo. Nos aludidos autos, o e. TJSP entendeu - em acórdão transitado em julgado - que o Processo Disciplinar 01/2023 foi válido, mas isso não significa, automaticamente, que a deliberação da qual resultou o Decreto Legislativo 03/2023 também seria. Isso porque existe uma independência relativa entre um e outro: a deliberação pela cassação (ou não) dependia da validade das apurações havidas no Processo Disciplinar, mas a deliberação, em si mesma considerada, tem autonomia quanto ao que ocorre dali em diante, podendo vir a ser nulificada por razões que a ela se aplicam isoladamente. Segundo, não há que se falar em perda do objeto do presente mandado de segurança em virtude da mudança de legislatura, na medida em que eventual reconhecimento de que a cassação foi válida induz à consequência da inelegibilidade do impetrante, com inegável desdobramento para a permanência no atual cargo, dada a reeleição conquistada nas eleições de 2024. E terceiro, em questões como a trazida à apreciação, o Poder Judiciário não analisa o mérito da acusação, pois apenas faz um controle de legalidade (análise formal) dos procedimentos adotados pelo Poder Legislativo em vista de determinada finalidade, sob pena de violação à separação das funções inconstitucionais (arts. 2º e 34, IV, da CRFB) e ao princípio hermenêutico da conformidade funcional (Konrad Hesse). Pois bem. Cuidam os autos de mandado de segurança por meio do qual se questiona a validade do Decreto Legislativo 03/2023, cujo teor é o seguinte (fls. 814/815): “Art. 1º - Nos termos do inciso IV, do artigo 14, c.c. o inciso I, do artigo 18, ambos da Resolução nº 02, de 28 de fevereiro de 2012, combinados ainda com o inciso II, do artigo 14, da Lei Orgânica do Município de Buritama, fica Decretada a PERDA DO MANDATO ELETIVO DOS VEREADORES ANÍZIO ANTONIO DA SILVA e JOSÉ ADEMIR PICCOLI JUNIOR, por quebra de decoro parlamentar, com base nos termos da decisão proferida pelo Soberano Plenário da Câmara Municipal de Buritama, tudo registrado em áudio e vídeo”. Compulsando os autos, tem-se que a decretação da perda de mandado do impetrante (e de outro vereador) foi decorrência de deliberação legislativa assim realizada (fls. 782/789): “Ato contínuo, o senhor presidente colocou que passaria, então, às votações. Comunicou aos senhores vereadores que as votações seriam nominais. Colocou que quem fosse a favor da Procedência da acusação dos vereadores imputados votaria “SIM”, e quem fosse contrário à Procedência da acusação dos vereadores imputados votaria “NÃO”. Em votação nominal, obteve o placar 9 x 2 (nove votos favoráveis à Procedência da acusação dos imputados a dois votos contrários à Procedência da acusação dos imputados) (...).” (fls. 786). Observa-se, ainda, que o vereador impetrante (Anízio) e o outro vereador acusado (José Ademir) foram substituídos por seus suplentes, que tomaram parte na votação, posicionando-se favoravelmente à procedência da acusação (fls. 777 e 786). Depreende-se, ainda, que a deliberação de cassação foi tomada em virtude do resultado do Processo Disciplinar 01/2023, formulado contra dois vereadores simultaneamente, por prática de, no mínimo, três infrações que lhes foram imputadas na denúncia, quais sejam, extrapolar suas atribuições como vereador, usurpar atribuições privativas da Presidência da Câmara e pedir providências aos órgãos de controle público. De acordo com a exordial, a aludida deliberação foi nula por duas razões: (1) os vereadores denunciados não votaram, mas, sim, seus suplentes, que foram favoráveis à cassação porque movidos pelo interesse pessoal de tomarem assento na Câmara Municipal; e (2) a votação da acusação foi realizada em bloco, e não separadamente. Com razão o impetrante. Aplicam-se aos autos o Decreto-lei 201/67, que, no art. 7º, estabelece a possibilidade de a Câmara cassar o mandato de vereador, aplicando-se, quanto ao procedimento, o mesmo aplicável à perda do cargo de Prefeitos, no que couber. Quanto à primeira causa de nulidade apontada pelo impetrante, não há se falar em irregularidade na atuação dos suplentes. A uma, porque o art. 5º, I, do DL 201/67 estabelece que será convocado o suplente do vereador impedido de votar, não podendo integrar a comissão processante. Se o suplente do impetrante foi chamado a votar apenas por ocasião da deliberação sobre a acusação feita em desfavor do titular, inexiste violação da qual possa resultar nulidade, sendo certo que a convocação do suplente é medida necessária para se assegurar o quórum legal (STJ REsp 405.907/MG), justamente porque o vereador acusado não pode votar na deliberação sobre a acusação que lhe é feita, sob pena de desvirtuamento da forma republicana de governo. E a duas, porque a suposição de que o suplente votou a favor da acusação porquanto movido pelo interesse pessoal de assumir, em definitivo, o lugar do titular é insuficiente para nulificar a votação. Ora, “a autuação política dos vereadores é guiada por seu posicionamento pessoal em relação às questões postas em discussão, assim como orientação ideológica, negociações e acordos em defesa dos interesses dos representados. É tautológico que os vereadores possuem ‘interesse’ em que sua posição seja vencedora nas votações da Câmara, o que não pode ser tomado como causa para impedimento”. (Apelação Cível nº 1000677-2019.8.26.0334, 2ª Câmara de Direito Público, Rel. Des. Luciana Bresciani, J. em 11/12/2020. Com efeito, é inerente à democracia ao pluralismo partidário o exercício da legislatura conforme convicções e ideologias divergentes. A atividade legislativa não é estritamente jurídica, e o julgamento pela Câmara dos Vereadores necessariamente se submete a considerações políticas, de modo que não se pode exigir dos vereadores absoluta neutralidade como se fossem juízes togados. A propósito, o ilustre Ministro Roberto Barroso assevera que “é incabível a equiparação entre magistrados, dos quais se deve exigir plena imparcialidade, e parlamentares, que devem exercer suas funções com base em suas convicções político-partidárias e pessoais e buscar realizar a vontade dos representados” (ADPF 378 MC, Rel. Min. Roberto Barroso). Por outro lado, em relação à deliberação em si, verifica-se ter a Câmara Municipal incorrido em violação ao art. 5º, VI do Decreto-Lei 201/67, que exige a votação em apartado para cada denunciado e para cada uma de suas infrações, não se admitindo a votação em bloco: “Art. 5º O processo de cassação do mandato do Prefeito pela Câmara, por infrações definidas no artigo anterior, obedecerá ao seguinte rito, se outro não for estabelecido pela legislação do Estado respectivo: VI - Concluída a defesa, proceder-se-á a tantas votações nominais, quantas forem as infrações articuladas na denúncia. Considerar-se-á afastado, definitivamente, do cargo, o denunciado que for declarado pelo voto de dois terços, pelo menos, dos membros da Câmara, em curso de qualquer das infrações especificadas na denúncia. Concluído o julgamento, o Presidente da Câmara proclamará imediatamente o resultado e fará lavrar ata que consigne a votação nominal sobre cada infração, e, se houver condenação, expedirá o competente decreto legislativo de cassação do mandato de Prefeito. Se o resultado da votação for absolutório, o Presidente determinará o arquivamento do processo. Em qualquer dos casos, o Presidente da Câmara comunicará à Justiça Eleitoral o resultado. Essa previsão tem respaldo no art. 5º, XLVI, da CRFB, que prevê o princípio da individualização das sanções, orientando que a penalidade deve se ater às características do agente, de sua conduta e do fato, bem como no devido processo legal. Ocorre que, no caso, houve votação única, envolvendo tanto o impetrante como outro vereador, bem como a imputação de três supostas infrações disciplinares, o que não se pode admitir. Independentemente de elucubrações sobre qual teria sido o resultado se a votação tivesse observado o art. 5º, VI, do DL 201/67, fato é que o procedimento legal assegurado pelo ordenamento jurídico não foi observado pela Câmara Municipal, resultado, daí, a nulidade do Decreto Legislativo 03/2023 e, consequentemente, da cassação do mandato do impetrante e de seu afastamento, de modo que se deve retornar as partes ao estado em que anteriormente se encontravam, inclusive no aspecto patrimonial (ressalvadas, apenas, as parcelas anteriores à impetração, pois o MS não é ação de cobrança; Súmula 269/STF). Frise-se: a nulidade ora reconhecida não implica qualquer juízo valorativo sobre a conduta do impetrante ou sobre os acertos e desacertos do que fez ou deixou de fazer, na medida em que o mérito disso constitui matéria reservada à Câmara Municipal. O resultado do presente processo decorre, apenas e exclusivamente, de um juízo valorativo sobre o procedimento adotado pela Câmara Municipal, que, se entender pertinente e conveniente, poderá submeter o apurado no Processo Disciplinar 01/2023 a nova deliberação, para as finalidades que entender cabíveis. Diante do exposto, no mandado de segurança impetrado por Anízio Antonio da Silva contra ato do Presidente da Câmara Municipal de Buritama, concedo a segurança, resolvendo o mérito na forma do art. 487, I, do CPC, para tornar definitivos os efeitos da liminar deferida pelo e. TJSP no bojo do agravo de instrumento 2342825-46.2023.8.26.0000 e declarar a nulidade do Decreto Legislativo 01/2023 e da votação que lhe conferiu lastro em relação ao impetrante, bem como para condenar o Município de Buritama ao pagamento dos subsídios que porventura tenha deixado de receber a partir da data da impetração, como correção monetária pelo IPCA desde quando deveriam ter sido pagos e juros de mora pela SELIC, deduzido o IPCA, desde a notificação da autoridade, a partir de quando incidirá apenas a SELIC, a título de correção monetária e juros de mora. Condeno o Município a reembolsar eventuais custas processuais adiantadas pelo impetrante, com correção pelo IPCA desde a data do pagamento, Honorários incabíveis na espécie. Comuniquem-se a Justiça Eleitoral e a Câmara Municipal. Com o trânsito em julgado, dê-se baixa e arquivamento nos autos. P.I.C. Buritama, 07 de fevereiro de 2025.